Tinha um prado ali, onde o mato virou cinza. Era feio. Agora, morto, é feio. Mas tem um tufo de grama incólume que redime a feiúra. Uma, duas puxadas com a mão forrada por dentro e tenho comida. De perto, engrandecida, a grama tem uma penugem mínima no corpo, repelente, correndo ao contrário da língua. A folha em espada estoca o céu da boca e um amargo come as papilas pelos lados. O músculo rejeita, joga pr´um canto e outro a massa. Custa a passar a comida adiante. À força a garganta se abre e fecha sem olhar o que recebe, e o corpo inteiro estremece e grita que grama é ruim pra caralho! Mas passa. Comer, como rotina, não é grande coisa. Não era. Mas comer no desmundo é de cortar o coração. Isso tudo e ainda é um dia. E não termina, parece. Mais, se estende. Fim que é fim não acaba: se espreguiça, lânguido, pra sempre. O charuto, pelo menos, tá na metade. A mochila ficou pra trás. Eternizados. É bom pr´eu não ter pena, outra, de mais uma coisa chegar a termo sem eu dizer que sim ou que não. A bicicleta. Essa não acaba tão cedo por muito que eu a gaste em fuga. Pra onde? Pra lá e pra cá com os pneus no asfalto, escrevendo no solo à fricção da borracha um prólogo sobre o nada. Tô pelada ainda. Unha alguma da mão lascou. Do pé, sim. Uma cereja que enganchou no pedal. O joelho tem uma crosta de sangue. Melhor, que assim o corte lacrado não vira caldo pra bicho. O músculo da coxa estirou atrás. Tá puxando. Foi o sprint no bar, aquele salto, três, quatro lances num pulo, não dá, tem que ver isso, treinar, sei lá, pr´uma próxima fuga, uma outra gota, um bicho, gente, uma garrafa quebrando. Quebrando sozinha? Num lugar vazio? Mas quem? Quem poderia? Isso tudo. Não acaba. Se já acabou! A barriga tá vazia de grama e cheia de ácido gástrico. O fim alonga braços e pernas. E é tudo pensamento besta pra desviar a mão que ainda cava minhas tripas pelo meio, afastando todas, tubo por tubo, pros lados. O epicentro da fome fica atrás do meu umbigo.
foto 6
março 18, 2010 por editor
Publicado em 24 fotos do fim do mundo | 12 Comentários
12 Respostas
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Estou tentando captar essa força… parece que até vai virar livro. Poderia, mas talvez não seria acessível à massa, ela ainda não contempla dessa forma. Continue assim. Pelo menos desta vez quero e posso te dar uma nota 10…(ehehhe, essa só vc vai entender…). Abraço!
mestre, teu 10 vale 100! e aqui é peso 15 hein? passei?
sei que o fim escandaliza. mas, fico pensando, por que escandaliza se, no fim, você, eu, eles e elas, do mundo todo, sem faltar ninguem, federemos, todos juntinhos, num coro malcheiroso? melhores que nós só mesmo os vermes, que comem felizes da nossa carne amanhecida.
beijo!
quando o mundo acabar para mim – ou eu para ele -, quero que você tenha papel e caneta em mãos, e que escreva a respeito, ô cronista do fim dos tempos. só assim será uma coisa bonita.
ps. precisamos escrever juntos.
ei meu querido!
e que a caneta e o papel sejam a prova de sol e coisas flamejantes afins.
beijo grande pra vc!
ps: eh so me convidar.
Oi Sabrina,
Nos conhecemos na virada gastronomica do ano passado, sou amigo do Cristian Clemente. Talvez você não lembre, mas também não importa. Leio sempre que tem coisa nova no seu blog, e adoro o modo como você escreve. Parabéns!!!
Oi Rayran
td bem com vc?
caramba, faz tempo, nao?
bom saber que vc vem por aqui com frequencia. obrigadissima! bom que curta as coisas que aparecem no meu blog. juro que me esforço. 🙂
venha sempre, sim?
beijo!
sabrina
Sabrina,
A Sil sempre disse que vc escrevia bem, mas eu nunca imaginei que fosse tãoooooooo bem assim. Caramba!
Parabéns, beijinhos!
Lilian querida
td bem?
a virtude esta nos teus olhos e nos da Sil. mas aceito o elogio. 🙂 muito obrigada!!
beijo grande!
sabrina
um teco do meu tornozelo virou caldo pra bicho, por hoje, mas isso é culpa do futsal. se procurassem bem, encontrariam pele minha em algum canto daquela quadra.
da bicicleta quase não apanho, ela tem sido boa comigo porque eu tenho sido boa com ela. férias pra bicicleta.
vale a pena fazer uma busca do teco que falta.
beijo!
pq se chama foto se não tem foto?
ói que tem sim, cruela!
tá, eu admito: é que sou péssima pra foto, e prefiro descrever o que nao vejo – ou vejo? bom, só sei que quando o mundo acabar, eu quero estar aqui pra ver se eu acertei ou não.
beijo!